Domingo, 12.04.09

Páscoa, chocolates, cunicultura e Bunny

Ovos de chocolate e coelhinhos da Páscoa não faltaram hoje na minha mesa. Curioso, que no tempo da minha infância, não havia esta tradição em minha casa! Como morava, e moro, junto à "igreja matriz", a procissão à volta da praça Alexandre Albuquerque era o prato do dia. O Bispo de então, circulava ladeado de padres, que iam balanceando os aparatos lançadores de incenso e de água benta. As janelas das casas circundantes, sobretudo as com varandas como a nossa, eram ornadas com colchas coloridas e de brilho acetinado. Lá ficávamos à espera de, após a procissão, virem padres à nossa casa para a bênção pascoal. Aquilo tudo me parecia fascinante, ao mesmo tempo que fastidioso .
 

Hoje, as coisas mudaram e enquanto trincava a casca do ovo, ou melhor, o chocolate quebradiço e côncavo, não pude deixar de me interrogar sobre o porquê dos ovos e do coelho, numa festa assaz religiosa. Encontrei várias tentativas de explicação pela Internet fora e apanho uma ao acaso, que transcrevo:

Ressurreição de Cristo – coelho simboliza vida em abundância

 

Na Antiguidade, os povos escolheram a lua para determinar a data da Páscoa. Como o coelho era tido como um símbolo da lua, passou também a ser considerado um símbolo da Páscoa.

Os coelhos são mamíferos, roedores, que se reproduzem de forma rápida, tendo grande fertilidade. O seu período de gestação não passa de quarenta dias, tornando-se símbolo da preservação da espécie.

Para os cristãos, a Páscoa é marcada pela ressurreição de Cristo, pelo Seu renascimento, pelo surgimento de uma vida nova. Além disso, a sexta-feira santa é a data assinalada pelo seu sofrimento, pela sua crucificação.

Existem algumas curiosidades sobre a história do coelho da páscoa. Na Alemanha, as crianças esperam ovos dos coelhos. As crianças tchecas confiam que os presentes são ofertados por uma cotovia (ave campestre). Na Suíça, são os cucos que levam os ovos de presente e, no Brasil, a tradição do coelho, que veio no final do século XIX.

Outra história põe sentido à tradição do coelho representar um símbolo da páscoa, uma vez que este simboliza a igreja. A igreja tem a missão fecunda de propagar os ensinamentos cristãos, a palavra de Deus, para todos os povos; sem distinção, ou seja, aumentar a quantidade de discípulos da mesma. Assim, uma grande quantidade de pessoas é representada pela fertilidade do coelho.

Há uma lenda que marca a história do coelho da Páscoa. Conta a mesma que uma mulher pobre, que não tinha como presentear seus filhos no domingo de Páscoa, cozinhou alguns ovos de galinha e os pintou. Ela teve a ideia de colocá-los dentro de um ninho e escondê-los no quintal da casa, entre as plantas. Quando as crianças encontraram os ovos, um coelho apareceu por perto e fugiu; as crianças acreditaram que o mesmo havia colocado os ovos para elas, assim a história se propagou.

 

E senti então saudades da Bunny, a nossa coelhinha branca de estimação, que faleceu de velhice há dois meses atrás. O animal fazia o deleite dos meus filhos mais novos ... e meu também!
. .
Bunny andava à vontade no nosso quintal com os demais mamíferos que por ali circulavam. Quando eu era criança, a minha avó Candinha criava coelhos (cunicultura) no quintal e às vezes escapuliam do local que lhes era reservado indo para o alçapão. Um belo dia a Dona Candinha foi ao alçapão e meteu o pé num dos buracos que os lagomorfos fizeram, tendo apanhado um belo entorse! ... Na semana seguinte, já não havia mais coelhos na nossa casa! Porém, deixaram-me boas recordações esses bichinhos. Observava-os a comer folhas de couve e me impressionavam os característicos movimentos de suas bochechas quando mastigavam as folhas. Captei a Bunny na minha câmara do telemóvel a comer folhas de repolho. Vejam-na:
. .De facto, os movimentos circulatórios das bochechas destes animais quando mastigam, impressionavam-me quando era miúdo. Tinha os meus seis anos, quando após observar fixamente minha tia Filó a mastigar, resolvi exclamar alto e em bom som:
"Lolóoo ... come como quelho!"
Noutra ocasião, falar-vos-ei de cunicultura, a ciência e a arte de cuidar de coelhos. Fiquem bem!
sinto-me:
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Domingo, 05.04.09

Roxos passos do Senhor dos Passos

Todos os anos quando (como hoje) é Domingo de Ramos, lembro-me do "martírio" que era obrigado a consentir quando de tenra idade (dos 4 aos 8 anos) era levado pela minha mãe a calcorrear, entre vultos enormes (os adultos), as ruas da cidade durante a "procissão do Senhor dos Passos". Aquilo era um autêntico suplício para mim; pior era aquela interminável lengalenga dos padres durante a missa, em frente da capela de Santa Isabel, no Hospital da Praia. Ficava eu de pé entre os adultos, ouvindo os padres sem os ver e sem poder falar ou brincar. Ao fim da procissão meus pés ficavam doridos, talvez tão roxos quanto a velha túnica do Senhor dos Passos!

 

Qual a razão disso? Ei-la: minha mãe tinha perdido sua primeira filha durante o parto; durante a gravidez do segundo filho (Eu) o médico dera-lhe poucas esperanças; então ela fez uma promessa ao Senhor dos Passos, que, se tudo desse certo, passaria a ir todos os anos no Domingo de Ramos, às procissões e levar-me-ia consigo para que eu participasse nesse "agradecimento a Deus". Ao me lembrar disso, não posso deixar de pensar na frase que um amigo meu muçulmano proferiu em Nice, quando eu lá estudava: "os católicos fazem negócios com Deus!".

 

Mas a procissão do Senhor dos Passos era algo de espectacular. Na realidade essa procissão é chamada com mais propriedade de "Procissão do Encontro". Melhor ainda: a Procissão do Encontro de Nosso Senhor dos Passos e Nossa Senhora das Dores. Em muitas regiões interiores do Brasil esta procissão se desenrola na 4ª-feira da Semana Santa. Aqui na Praia fazia-se no Domingo de Ramos. Eis uma descrição do evento:

 

Os fiéis (maioritariamente masculinos) saíam da Igreja de Nossa Srª da Graça, junto à Praça onde eu moro, com a imagem do Senhor dos Passos e as mulheres esperavam na Capela de Santa Isabel, no Hospital da Praia, donde iria sair a imagem de Nossa Senhora das Dores. Acontecia então o emocionante encontro entre a Mãe e o Filho. O padre, então, começava a missa, e a um dado momento proferia o célebre Sermão das Sete Palavras de Jesus Cristo na Cruz:

1. Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem. (Lc 23,34 a); 2. Hoje estarás comigo no paraíso. (Lc 23,43); 3. Mulher eis aí o teu filho, filho eis aí a tua mãe. (Jo 19,26-27); 4. Meu Deus, Meu Deus, porque me abandonastes?! (Mc 15,34); 5. Tenho sede. (Jo 19,28 b); 6. Tudo está consumado. (Jo 19,30 a); 7. Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito. (Lc 23,46 b).

 

É uma pena que na nossa cidade da Praia, já não se façam procissões na Semana Santa como as que se faziam há 40 anos atrás. A da 6ª-feira Santa, ou a do "Enterro do Senhor", era muito interessante. Ainda me lembro das velas que eram resguardadas por um invólucro de forma poliédrica em cartolina branca, (espécie de pirâmide de base quadrada, truncada e invertida), com janelinhas em forma de cruz, estrela ou coração, forradas com papel de celofane vermelho. Dizer que os tempos são outros e que a cidade cresceu, não pega, pois Lisboa ainda tem dessas procissões como podem constatar no clip que se segue:
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sinto-me:
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Domingo, 23.11.08

Recordemos o Orfeão da Praia

. Eis que das cinzas poderá renascer, qual Fénix, o Orfeão Clube Juvenil da Praia, ou "Orfeão do padre Eutrópio". No ano de 1974, o do 25 de Abril, brilhava no chão deste Cabo Verde, um grupo juvenil e recreativo que tinha um coro a quatro vozes, mais conhecido pelo nome de Orfeão da Praia. Eu fazia parte embora nunca me tivesse convencido saber cantar. Lá me atiraram para a 2ª voz. Bem, após vários ensaios creio que a dezena de árias que aprendemos me deixou suficientemente condicionado, para um desempenho que não causasse danos ao grupo. Éramos já famosos e após alguns concertos (e consertos) na Praia, fomos convidados a fazer uma aparição no Éden Park em São Vicente. Para lá embarcamos num barco de guerra e durante a viagem, muitos friccionaram suas cordas vocais com líquidos e sólidos que por perto circulavam em ambos os sentidos. As peripécias que no Mindelo passámos, davam para escrever um livro. Porém a nossa actuação foi longamente aplaudida, diria mesmo ovacionada. Veio a Independência e muitos de nós partimos em estudos pelo mundo fora. O Orfeão ainda aguentou um pouco, mas acabou por se desfazer, deixando um lugar doirado nos nossos corações e umas saudades latentes que de vez em quando afloravam para nos fazer emocionar. Foi num surto mais violento destes afloramentos, que um de seus membros, teve a feliz ideia e iniciativa de, após 33 anos, fazer com que muitos de nós nos encontrássemos num pic-nic nostálgico para reavivar esses velhos tempos.
Foi assim que nos encontrámos neste fim-de-semana na Cidade Velha e não resistimos em entoar algumas das canções, mornas e árias mais vibrantes de nosso reportório. Embora sem ensaios, com cordas vocais afectadas pelos anos e sem o equilíbrio das quatro vozes, não foi nada mau o que dali saiu:
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Domingo, 02.11.08

O Pastis 51 do aniversariante e um perroquet bem doseado

No passado dia 30 de Outubro completei 51 anos de idade e fiz questão de os comemorar com um copo de Pastis 51. Mas porque será que me deu na tola, fazê-lo desta maneira? Eis algumas razões:
  • O simbolismo do acto, uma vez que esta bebida ostenta no nome o nº 51 que é o nº de anos que se comemora.
  • Trata-se de uma bebida que me agrada bastante e que me acompanhou ao longo dos anos que vivi no Sul da França e no ano que passei no Senegal.
  • Permitir uma foto elucidativa deste momento singular
  • Dá azo a evocar neste blog algumas recordações e momentos interessantes
Em 1976, o Pastis foi-me apresentado pela primeira vez por emigrantes cabo-verdianos que viviam em Frejus, uma cidade entre Saint-Tropez e Nice (onde era então estudante). Impressionou-me ver a mudança de cor da bebida ao se lhe juntarmos água. Ela passa de um castanho alourado e transparente, para um branco-sujo leitoso e turvo (darei as explicações científicas para este fenómeno no CVquímica).

Aos poucos fui-me habituando a essa água de "esfregadura" como lhe chamavam as nossas colegas cabo-verdianas que nunca aceitaram sequer provar esta famosa bebida, tão popular no Sul de França. NB: "esfregadura" é o nome informal cabo-verdiano para a água de sabão suja que sobra da lavagem de roupas.

Podem encontrar aqui a história desta bebida, cuja fórmula actual foi criada por Paul RICARD em 1932. A antiga fórmula foi inventada por Henri Louis Pernod mas tendo 72º alcoólicos acabou por ser proibida em 1915. O pastis de Ricard foi proibido em 1940. A interdição sobre as bebidas anisadas foi levantada em 1951 e a família Pernod cria o Pernod 51, percursor do Pastis 51.

No terceiro ano do curso de Química para a Investigação, que perseguia em Nice, deparei com questões diversas ligadas ao pastis. Foi muito interessante discutir sobre as metodologias de discernir o verdadeiro Pastis do falsificado, as técnicas do fabrico do Anetole, a substância que dá o gosto anisado ao pastis e as substâncias derivadas desse éster sendo algumas delas psicotrópicos severos (falarei disso no CVquímica).


Termino com uma receita do perroquet uma bebida simples que junta dois apreciados líquidos franceses: o sirop de menthe e o pastis:

Verta num copo longo (os para gin tonic) uma medida de pastis e adicione uma colher de sopa de xarope de mentol. Adicione 4 medidas de água mineral (a proporção de um bom pastis é a de 4 de água por um de pastis). Dois cubos de gelo, agitar e ... à vossa saúde!
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Domingo, 31.08.08

Há 250 anos que o "Fonfon" tem nome científico

Como já é do vosso conhecimento pelo artigo (Kutum Ben Ben, dan papa pan dau leti...) que publiquei em Março 2008, desde cedo tive uma paixão pela entomologia, pelo que, além de estudar os insectos da terra, fazia colecção deles. Este gosto adveio da leitura (aos 11 anos) do livro "o Mundo dos Insectos" da colecção Ver e Saber da Verbo.

Um dos insectos que mais me apaixonava observar era o Fonfon, uma espécie de vespa de amarelo e preto que faz "casa-fonfon" de "papa-lama" pelos cantos dos quartos e debaixo dos móveis das nossas casas. Voltarei a este insecto daqui a pouco. Porque me lembrei então de falar dele? Eis a razão:

Estive hoje a arrumar as velharias que guardo e deparei com a caixa de insectos da minha colecção (a que apresento nesta figura de 1972) em deplorável condição: o tempo (36 anos) desfez a maior parte dos insectos. De imediato resolvi fotografar o que da caixa restava: vejam a figura anexa. Reparei então no insecto ao lado esquerdo da borboleta e lembrei-me do bicho e da data de sua classificação científica: Agosto de 1758 por Lineu. Trata-se do Sceliphron spirifex Linnaeus 1758. Vale a pena comemorar estes 250 anos e partilhar convosco a efeméride e os pormenores que se seguem:

A mulher-a-dias (sampadjuda do Fogo com a proverbial mania do "cau limpo e fréscu") que vinha limpar-nos a casa todos os Sábados, Lia Baptista de Sousa de seu nome, fartava-se de barafustar contra os fonfons que lhe tornavam a tarefa mais difícil, tal a sujeira deixada pelos ninhos de barro que aqui e ali implantavam. Olhava-me de soslaio quando lhe implorava para não destruir, pelo menos um desses ninhos, pois queria eu observar o evoluir da construção. De facto era algo maravilhoso seguir o trabalho destas vespas solitárias:


    .
  • Em seguida, o nosso fonfon carrega a bola de lama até ao sítio onde pretende construir o ninho e começa a trabalhar essa bola em anéis que irão formar células oblongas. Enquanto faz este trabalho emite um som típico: fon-fon-fon-foooon-fon, donde o nome onomatopaico que lhe deram aqui em Santiago. No Fogo "fonfon" é uma outra vespa e o nosso querido Sceliphron spirifex é em São Nicolau conhecido por "bananinha séca". NB: no Fogo o Sceliphron spirifex é conhecido por "custon fagássa".
  • Á medida que o fonfon termina uma célula, deposita dentro um ovo e vai à caça de aranhas saltitonas (os "cachorrinhos-lau-lau" por exemplo) e outras pequenas aranhas que caça sem piedade. Enche as células dessas aranhas vivas, mas por ele paralisadas (comida para o filhote) e tapa com lama.
  • Começa então a construção de uma nova célula. As células se empilham umas em cima das outras formando a tal casa fonfon que bem conhecemos. Como faz uma célula de cada vez, vai à caça e começa uma nova célula, muitas vezes não encontra a lama no mesmo sítio e a casa (ninho) tem várias cores (fazem-me lembrar algumas construções aqui do burgo).
  • Se quebrarmos uma destas casas, encontraremos células com as tais aranhas e com larvas de fonfon em diferentes estádios de metamorfose. É muito engraçado observar a reacção do fonfon quando regressa e encontra o ninho danificado: faz um ruído "fonfónico" estridente (como quem manda à pqp) e esvoaça desairado à procura do vândalo (é observar de longe, não vá a vespa ferrar o observador; mas o bicho não é agressivo). E depois se estranha que um insecto tenha... sentimentos!

Há uma outra espécie de fonfon em Cabo Verde que em vez de aranhas caça lagartas. Estes fonfons, são negros de antenas laranja e também fazem ninhos de barro. Esses ninhos são redondos (mais parecem igloos esquimós) e eles os dispõem uns ao lado dos outros.

Sem esquecer de mencionar os aspectos ecológicos das vespas, como os da luta integrada contra as pragas agrícolas, termino, remetendo-vos para uma página francesa com belas fotos do fonfon, que eles chamam de pélopée tourneur. Vejam mais fotos deste himenóptero: fonfon, vespa-oleira (em Portugal) ou também guêpe maçonne:
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Domingo, 13.07.08

Café margoso ou café dóxi ?

Estava eu calmamente deitado a olhar para o tecto do meu quarto e a imaginar o que iria partilhar com meus leitores neste blog ("quem me dera ter a capacidade do meu amigo João Branco do Café Margoso", cogitava), quando, por coincidência, senti um aromático odor a café, que teimava a acompanhar a brisa que pela porta de meu quarto entrava. Dei um salto, qual Arquimedes e seu Eureka! e de CiberShot em riste fui à varanda (sobranceira ao quintal) captar as imagens das quais a cena ao lado é elucidativa ilustração: "A empregada Lena torra o café do Fogo acompanhada pelo caniche Dan's".

Regressei ao meu leito inspirativo, liguei o tablet PC que poisei sobre minha barriga, conectei-me à Internet sem fios da Praia-Digital (ex internet do Filú) e comecei a pesquisar um pouco sobre esta minha paixão... o café. Entretanto, visitei o Café Margoso e depois o Mário Persona Café, dois cafés da blogosfera que sobre a preciosa bebida pouco falam, mas que do nome se servem para nos deleitar com aromáticas crónicas e as mais diversas originalidades. Reparei então, que tal como a maior parte dos bloguistas cabo-verdianos, eu só tinha neste blog, links para blogs CV. Tratei logo de fazer justiça ao Mário, colocando um link para o seu Persona Café brasileiro, que há dois anos me entretém com suas saborosas crónicas sarcásticas mas geniais sobre os mais diversos assuntos. O Café de Mário serve-lhe de pretexto para nos presentear no fim de suas crónicas com a resenha de um livro cujo teor está intimamente ligado ao objecto da crónica escrita. Chamarei a este Café o Café Dóxi, para contrapor ao Margoso de João. Embora diferentes estes dois sites têm muito em comum, pelo menos o talento de seus escribas. Coloco na parte final da faixa lateral deste Blog, um feed que absorve a crónica mais recente de Mário.

Passemos agora ao precioso líquido. João Branco, no entróito de seu Café, mostra apreciá-lo sem açúcar. Porém, o café é apreciado das mais diversas maneiras e consoante as culturas e gostos. Minha avó paterna (do Fogo) não lhe punha muito açúcar e bebia-o fumegante; minha avó materna misturava-o com chicória e bebia-o com leite. Minha sogra, introduz mais de cinco colheres-de-chá de açúcar para que possa raspar no fim a "papa doce e melada aromatizada a café".

Os Lisboetas preferem beber um expresso com açúcar: a famosa bica. Há quem diga que bica é o acrónimo de Beba Isso Com Açúcar, slogan inventado pelo café lisboeta A Brasileira, que inicialmente mal vendia o amargo cafèzinho.

Gosto de dar uma de minha graça contando coisas sobre o café. Porém, hoje só darei algumas dicas e factos comprovados sobre o aroma e o gosto desta bebida:
  • O aroma e o gosto do café, nada têm a ver com a cafeína. As diferentes substâncias que compõem esse gosto, formam-se durante o processo de torrefacção. São no entanto muito frágeis, sensíveis ao excesso de temperatura e voláteis.
  • Devemos então fornecer bastante oxigénio ao torrar o café. Por isso deve-se mexer constantemente os grãos durante o processo, para que eles estejam sempre em contacto com o ar e não aqueçam em demasia. Vejam o vídeo que se segue:

  • Oups! Creio que Lena, a empregada, deixou queimar demais o café! Não deve ficar ele preto, mas sim castanho escuro. É que o excesso de calor provoca outras reacções dos citados compostos, que se transformam em outros de gosto amargo. Estas reacções de melanização, ocorrem acima dos 96-97º centígrados (à pressão atmosférica normal).
  • Convém arrefecer rapidamente os grãos após o término da torrefacção, pois não só teríamos degradação (devido à alta temperatura) como os saborosos aromas voláteis se perderiam no ar. Truque: deitar dentro um líquido frio; mas... água não! Dita-se um cálice de whisky; este tem álcool, evapora-se depressa e o gosto que deixa confunde-se com o amargo do café.
Por agora é tudo meus caros, termino com um dito crioulo:

Alen li: sima café di pobri, ora dóxi... ora margós!


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Domingo, 29.06.08

O Badio entre o Betacismo e o Metaplasmo

Vou falar-vos da versão mais lógica e menos conhecida da origem da palavra "badiu" , que tem vários significados mas que hoje identifica o habitante da ilha de Santiago de Cabo Verde.

Mas,... quem sou eu para resolver falar de assuntos de linguística, se a minha formação é da área das chamadas ciências exactas?

Em primeiro lugar, neste blog, os artigos têm sempre o tal cunho pessoal e não devem ser considerados artigos científicos. Em segundo lugar, eu sempre me desenvencilhei bem em matemática (a disciplina em que melhores notas apanhava) o que me estimulava as células cinzentas da região cerebral também responsável pelos dotes linguísticos. É assim que apanhei o gosto pelo estudo da origem das palavras e a nossa língua cabo-verdiana me trouxe e traz um campo fértil e "gostoso" de pesquisa (deveras transdisciplinar) nesse domínio.

A rigor, o "badiu" designa o camponês do interior da ilha de Santiago. Tanto mais que as expressões (antigas) "badiu di fora" (de fora da cidade), "badiu burro" (retratando o carácter campónio do iletrado indivíduo) e "badiu di pé ratchado" (indicando as gretas das ourelas dos descalços pés, próprias do contacto desses mesmos pés, com a lama pedregosa dos campos cultivados) reforçam a natureza campesina do mesmo. Hoje estas expressões não têm cabimento.

A vida difícil acabou por levar o "Badiu" a migrar para outras ilhas (sec. XIX e seguintes) onde os habitantes os identificavam como oriundos da ilha de Santiago, generalizando o termo a todos os habitantes dessa ilha, incluindo os da cidade da Praia. Estes, até aos anos setenta do século XX, sabiam que o termo "badiu" lhes servia para designar os que provinham do interior de Santiago.

Vejamos agora a explicação mais conhecida da origem do termo "badiu" que em língua portuguesa se diz "badio". NB: usarei doravante o termo português badio e sem aspas.

Premissa nº1: muitas palavras do cabo-verdiano com sílabas começadas pela letra b, provieram de palavras do português com sílabas começadas pela letra v : baca, bento, cabalo, balenti, bedjo, nobo, nabadja, nabega, coba, bruga, besgu, etc. O fenómeno linguístico em causa é conhecido por betacismo

Premissa nº2: muitos escravos conseguiam fugir e deambulavam pelas montanhas e vales recônditos de Santiago. Eram chamados de "negros fujões".

Construção da explicação da origem da palavra: Esses negros fujões passavam privações e se organizavam para vir assaltar as casas na cidade e roubar comida. "Lá vêm aqueles vadios, desgraçados, fogo neles!" exclamavam as autoridades portuguesas em face dessas ocorrências. E a palavra vadio foi rapidamente passada pelos cabo-verdianos, para badio.

Esta é a versão conhecida e que, a meu ver, "mete água" por todos os lados:
  • O betacismo não é tão presente assim, que possa ser generalizado. Há muitos mais casos de conservação do v na passagem do português para o cabo-verdiano, do que à primeira vista parece. Aliás, se vadio desse badio, então porque não diríamos badiachi em vez vadiachi, ou "forti bâdia, nha guenti!" em vez de "forti vâdia, nha guenti!"
  • A maioria dos termos em b de que falamos, transitou já com o b do linguarejar dos colonos portugueses de origem nortenha, que diziam (e dizem): binho, bamos, bentania, biola, etc. E não vejo nortenhos dizer "os badios são aqueles que andam a badear por aí"
  • Mal vejo os camponeses cabo-verdianos a interiorizar um termo que era depreciativo e até pejorativo.
  • Como poderiam vadiar os camponeses, se por o serem nestas ilhas, se tornavam forçosamente sedentários e não nómadas?
  • A maior parte dos defensores do badio proveniente de vadio, não são Badios! (infiram vocês o resto)
Agora vou contar-vos a cena que na minha juventude presenciei e que desde então me convenceu do quão verossímil seria uma outra explicação.

Assisti a um momento cultural no então Instituto Cabo-verdiano do Livro, nos finais da década de setenta (do século passado). Ali se encontravam alguns intelectuais cabo-verdianos, entre os quais Felix Monteiro. Este, no decorrer de um debate, apresentou a seguinte "tese" sobre uma outra origem do vocábulo badio:

Badio vem de baldio, tendo havido a queda da letra l.

A argumentação era a de que os camponeses (estamos já no século XVIII) que forneciam frescos à cidade, cultivavam-nos nos arrabaldes da mesma ou seja nos terrenos baldios, também designados apenas por baldios.

Frases como: "vamos à praça comprar as hortaliças dos baldios (terrenos)" eram interpretadas pelos demais como "...hortaliças dos Baldios (grupo de pessoas)

A transformação linguística subjacente (supressão de fonemas) é conhecida por Metaplasmo e no caso vertente, onde o som que desaparece está no meio da palavra é uma síncope.

Baldio passa a Baldio (com o a mudo), a Badio, e a Badiu

Esta é a versão que mais faz sentido, pois:
  • O significado de camponês de "fora" se coaduna com o do habitante dos baldios.
  • A transformação por síncope é mais natural do que a por betacismo
  • A conotação não é sentida pelos próprios como desprestigiante (logo facilmente adoptada pelos mesmos).
  • Identificar alguém como baldio (dos arrabaldes) é mais evidente (traje e função na sociedade) do que identificá-lo como vadio (negro fujão).
  • Os terrenos baldios estavam "na moda" no tempo do Marquês de Pombal e foram ao longo dos anos em Portugal, sempre objecto de política agrária, polémica e referências.
  • Os habitantes da cidade da Praia não se consideravam Badios!
Vou então deixar-vos reflectir sobre:

O absurdo do Badio porvir de Vadio
&
A lógica e o fazer sentido, do Badio porvir de Baldio

Só encontrei uma referência na Internet que fale da origem baldio; mas ela é em língua alemã. Ei-la aqui

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Domingo, 16.03.08

Histórica moeda entre o desprezo e o menosprezo

Esta é a primeira moeda que levou o cunho de Cabo Verde. Foi posta a circular em 1930 (Decreto nº18495 de 24.I.1930) e a sua tiragem foi de um milhão de exemplares.

Já se aperceberam, meus caros leitores, que vou finalmente falar de Numismática. O que vos parece obscuro é talvez o enigmático título. Porém, lá chegaremos, mas não sem antes conhecermos melhor a história desta moeda e de como me deparei numismata.

Rapidamente podem encontrar na Wikipédia, uma conseguida explicação do vocábulo e de seu significado. Eis o primeiro parágrafo da referida explicação:
"Numismática (do grego clássico νόμισμα - nomisma, através do latim numisma, moeda) é a ciência auxiliar da história que tem por objetivo o estudo das moedas e das medalhas."
Na casa onde cresci (e onde moro: localizem-na no pano de fundo do cabeçalho deste blog) há um vasto alçapão onde na época minha avó mantinha baús e velharias do século XIX, quiçá, XVIII. Curiosidade infantil, aliada à minha nativa tendência para a investigação, levava-me a fazer incursões exploratórias ao alçapão, em busca de não sei que tesouro escondido. Acreditem, encontrava coisas fabulosas e um belo dia desencantei umas antigas moedas do tempo da monarquia (vinténs, patacos, "derés" e outras) entre as quais se destacava um D. Luís de prata! Este foi o rastilho e a energia de activação da minha entrada para o grupo dos numismatas! (to be continued...)

Agora vejamos um pouco da história da primeira cunhagem de moedas próprias de Cabo Verde, com o nome da então colónia devidamente evidenciado. É com a devida vénia ao Eng.º de Sistemas Fernando Rodrigo C. Romão e Alves da Silva que transcrevo o seguinte texto de um site seu:

As moedas de Portugal e as que se obtinham com o comércio externo compuseram desde a origem a numerário desta Província.

LOPES FERNANDES, na sua Memoria das Moedas Correntes em Portugal, descreve o que se passava na sua época, já no século XIX. "As moedas do reino são correntes nesta província, 1 peça de 8000 réis ou 8 Patacas e 1/3, os Cruzados novos de prata, na venda por 500 réis, e na compra por 480 réis, sendo elles e as peças raríssimas; e também correm as fracções de prata. O cobre e o bronze, as mesmas que em Portugal. São admitidas todas as moedas estrangeiras, com o valor de mercado, como qualquer outra mercadoria; mas nas transacções com os estrangeiros a moeda nominal é a Pataca com o valor de 800 réis fortes; e na Ilha da Boa-Vista existe a mesma moeda nominal, e mesmo nas transacções internas, nas quaes é a Pataca reputada por 800 réis fracos - Foi esta informação dada para o Governo pelo Governador Geral de Cabo Verde em 16 de Fevereiro de 1846.

O Decreto de 19 de Outubro de 1853, mandou que todas as moedas portuguezas fossem alli correntes, sendo igualmente admittidas todas as estrangeiras, que o foram em Portugal pelos Decretos de 1846 e 1847".

ÁLVARO LERENO, in Subsidios para a História da Moeda em Cabo Verde (1460-1940), fala das vicissitudes suportadas neste território por esses anos fora sem moeda própria e, geralmente, com escassez da que lhe vinha da Metrópole, de Angola e dos estrangeiros com quem negociava.

É com o Decreto nº18495 de 24.I.1930, que aparece a primeira moeda metálica desta Província Ultramarina.

Vejam agora a belíssima série numismata de 1930:
1 Escudo

1930
AlpacaAmoedação

50,000
50 centavos

1930
AlpacaAmoedação

1,000,000
20 centavos

1930
BronzeAmoedação

1,500,000
10 centavos

1930
BronzeAmoedação

1,500,000
5 centavos

1930
BronzeAmoedação

1,000,000

É pois esta última moeda que hoje vos apresento:
O MEIO TOSTÃO
A moeda com que não se conseguia comprar quase nada, sobretudo durante a II Grande Guerra e anos subsequentes (a inflação galopante desvalorizou a moeda). O meio-tostão tornou-se "cascalho". Devido a isto, a sabedoria popular tratou logo de engendrar duas frases paradigmáticas:

A de desprezo:
"Ca bali nen mei tiston frado"
Um indivíduo ou um objecto desprezível "não valeria nem um meio-tostão, e menos ainda se esta moeda estivesse furada!"
NB: não é que eu furei uma destas moedas para tê-la no bolso e poder gozar com os colegas que se metiam comigo, dizendo-lhes que a moeda era mais valiosa do que eles!!
A de menosprezo:
"Mei tiston ca ten troco !"
A uma provocação não se deva responder (dar o troco) sobretudo se vier de alguém que desconsideramos. De facto não havia troco para a moeda de menor valor facial, a de 5 centavos, o nosso meio tostão.

publicado por jorsoubrito às 01:11 | link do post | comentar | ver comentários (1)
Sábado, 08.03.08

Kutum Ben Ben, dan papa pan dau leti...

Kutum Ben Ben, não se trata do filho do filho da árabe Kuttum, a minha quadragésima avó (e de Amélia também) filha do profeta Maomé!
Trata-se pois deste horrendo, grotesco e implacável bicharoco que nas ilhas setentrionais cabo-verdianas também responde por "Contchinha Dóna Dóna". Notem, meus caros, a sonoridade destes nomes, bem como a da lengalenga infantil "dam papa pan dau leti"(como defendo o bilinguismo, traduzo: "dá-me papa para que te dê leite") usada pelas nossas crianças quando tentam fazer sair o energúmeno bicho de dentro do funil de areia que constrói para: apanhar, maltratar, paralisar e devorar formigas que distraidamente ali tombarem. Esta sonoridade tem o ritmo onomatopaico (virtudes da língua cabo-verdiana) dos movimentos violentos e sincopados do animal ao bombardear as vítimas com areia, bem como da sua forma de locomoção em marcha-a-trás.

Pois é, este indivíduo é uma larva de um insecto da ordem dos Neurópteros que por ser uma autêntica fera para as formigas fez com que o adulto tivesse o nome científico de Myrmeleon, ou seja o de formiga-leão.

Vejam agora um vídeo profissional da National Geographic onde se pode observar o Kutum Ben Ben em acção:


Como poderão constatar no pequeno vídeo a seguir, o animal adora andar de marcha-a-trás quando retirado da toca:
Este comportamento é aproveitado (colocando a larva sobre as zonas erogéneas) pelas crianças com idades próximas da puberdade, para fazerem aparecer mais rapidamente os pelos púbicos, ou para verem crescer os seios em pouco tempo. Claro que isto não passa de um mito, embora alguns supostamente eruditos "bolam" a explicação de uma massagem dos vasos capilares pelas cócegas provocadas pelo insecto, fazendo com que haja mais sangue a trazer hormonas e nutrientes para essas zonas.

Agora, devem vocês estar a perguntar, porque será que eu estou a falar deste animal num blog de assuntos "não científicos e mais ligados à biografia do autor". É que sempre tive paixão por insectos (podem discernir uma pequena colecção de insectos numa caixa que ostento na foto ao lado) e um belo dia deparei com o nome de formiga-leão debaixo de uma foto do Kutum Ben Ben. Porém a legenda dizia ser uma larva, e fiquei curioso por saber qual dos insectos da minha colecção seria progenitor deste popular animalzinho.

Peguei então de uma caixa de cartão forte com tampa, adaptei um vidro na tampa para que se pudesse ver o interior da caixa e enchi a mesma até 2/3 com terra arenosa. Cacei bastantes Kutuns e pu-los sobre a terra da caixa. Trataram logo de se enfiar nessa terra e no dia seguinte lá estavam os célebres funis de caça. Alimentei-os com formigas e passado muito tempo (já estava quase a desistir) tive o prazer de ver esvoaçar na caixa, dois belíssimos exemplares de formiga-leão adultos! NB: tive sorte, pois a vida de uma larva antes da metamorfose (vim a saber depois) , é de cerca de dois anos.

Os adultos são uns bichinhos encantadores que só voam à noite e se alimentam de seiva e de néctar de flores! Quem diria? São conhecidos por "paga-candeia", pois, ao esvoaçarem à volta de lamparinas e "podogós" acabam por os apagar.

Eis então em rodapé, fotos deste magnífico Neuróptero:
publicado por jorsoubrito às 23:16 | link do post | comentar | ver comentários (4)

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